Uma Florença para Caravaggio, de Diomira Maria
A minúcia e a argúcia das descrições, neste romance, transportam-nos para
dentro das paisagens em que a história se desenrola, sejam elas as paisagens
construídas pelo homem – a arquitetura singular de uma cidade como
Florença, na Itália –, sejam as paisagens naturais – os caminhos para se chegar
ao alto da montanha, de onde as personagens observam, junto a Galileu, o céu
e as estrelas. Ressalte-se, também, a rigorosa pesquisa histórica feita pela
autora, que, com isso, pôde acrescer o seu quinhão de ficcionalidade, mas com
a delicadeza de quem, num gesto de escrita, logra doar um lugar a
Michelangelo Caravaggio; apor um dado a mais a sua personalidade (tão
polemizada nos registros documentais); logra, enfim, doar-lhe um amor. E
então desejamos: esses acréscimos bem que poderiam ter acontecido! Em
seguida nos perguntamos: e quem dirá que não aconteceu?
O trabalho rigoroso, de “alta costura”, revela-se também na estrutura da
narrativa, que coaduna com o próprio funcionamento da memória: por idas e
vindas, lacunas, dosagem das cargas afetivas. O ritmo ora se acelera ora se
desacelera, deixando entrever tanto os detalhes e os objetos da época do
pintor – que o leitor parece poder tocar com as mãos –, como a pungência de
alguns momentos de luta, de combate de ideias e de paixão entre os
personagens.
Aliás, sobre os personagens, há que se destacar que, além de Miguel e de
Maria de Medici, a cidade, Florença, torna-se também uma das protagonistas
do livro. Daí o acerto e a justeza de seu título, cuja beleza indica que bem
poderia ser o verso de um poema.
Maraíza Labanca
(escritora, editora e doutora em Estudos Literários pela UFMG)
***
"O silêncio subsequente, a troca de olhares, uma nova forma de representar personagens femininas deixou a todos encabulados.
— Já escolheu os brincos? — pergunta Leonor.
Maria se vê novamente diante do espelho:
— Vou escolher, estão no baú.
Leonor entrega-lhe, primeiro, uma pequena toalha para colocar sobre o vestido; em seguida, o baú de madeira, talhado com motivos florais na tampa e nas laterais. Uma peça bonita, cuja origem desconhece.
Maria, de mãos estendidas, acolhe o baú com o cuidado de quem carrega um recém-nascido, coloca-o em seu colo. Um suspiro profundo enche seu peito, o ar permanece por um tempo em seus pulmões, aos poucos se dissipa. Ela alisa a tampa do baú, primeiro com a ponta dos dedos, depois com o dedo mindinho, indo e vindo, no ritmo das águas calmas do Mediterrâneo que a trouxeram até a França. Finalmente decide abri-lo. O cheiro de tinta ainda impregna os veios da madeira, algumas manchas amarelas e vermelhas salpicam o interior da tampa. Tira uma caixinha, abre, deixa seus olhos assentarem sobre um anel, fecha, coloca de volta no mesmo lugar, sem pressa. Procura por uma caixa específica, acha, abre e vê o anel de pérola. Lembrou que o usara no dia do passeio à colina Bellosguardo, o aroma de lírio, o canto da capinera. Florença em chamas? Sorri. Coloca o anel no dedo.
— Não, Maria, este é singelo demais! Hoje é dia do anel de safira, aquele que parece um pedaço do céu em sua mão.
— Um pedaço do céu?
Maria tira o anel de pérola, devolve ao lugar de origem, encontra o de safira, coloca-o. A profundidade do azul a envolve, sente as cores do céu de Florença, o sol escaldante, uma caminhada em uma manhã de verão ao convento de Santa Catarina. Procura no baú a pulseira que usou na ocasião, encontra, coloca-a no pulso.
Leonor observa em silêncio. Devido aos punhos rendados da manga do vestido, a pulseira se destaca, será vista quando Henrique colocar a aliança no dedo de Maria, diante dos convidados, oficializando o acordo feito com a família Medici. Tudo bem se Maria quer usá-la, um amuleto, tomara que lhe traga sorte."
Informações do produto:
Capa comum: 162 páginas
Formato 14x21
Editora Libertinagem 1ª edição
São Paulo, 2023
Sobre a autora:
Diomira Maria é baiana, de Salvador, e mora em Belo Horizonte. Pesquisadora e professora é doutora em economia. Tem contos publicados em coletâneas (Terra Firme-Claraboia, 2022) e blog (Espaço a’mais). Vida foi finalista do Prêmio Off Flip – Crônica, 2022.
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