tibum

Leia abaixo três poemas de 'tibum', de Ricardo Pinheiros:
 
eu disse tchau, pai
eu tinha duas boias
uma em cada braço
eu disse tchau, pai
a água quase gosmenta de tão densa
do rio

a correnteza
a água quase breu de tão escura
do rio
acho que vem daí meu gosto pela liberdade
desse tchau
desse ir para não sei onde
embalado pela gosma escura
quente e fria na mesma medida
embalado pelo nada
pela coisa alguma
pela água
indo
indo

tchau, pai
 
o rio é implacável
 
***
 
queria não pensar em nada
achava que nadar seria
uma braçada, duas braçadas, três braçadas
respira
uma braçada, duas braçadas, três braçadas
respira

mas na verdade é assim:
uma braçada, amanhã eu tenho que ir no mer-
cado, duas braçadas, ainda falta um parágrafo
daquele trabalho da faculdade, não sei como
terminar ele, três braçadas, ai meu coração tá
batendo muito rápido, tô achando um pouco
estranho
respira
esse café não me fez bem, duas braçadas, o Ma-
noel de Barros é um gênio, quatro braçadas, se
eu tivesse no estúdio na gravação daquela cena
da Carolina Dieckman raspando o cabelo, com
certeza teria chorado horrores, mas pela TV não
consegui me emocionar, prefiro teatro do que
TV, uma braçada, acho que perdi as contas
respira

eu sempre perco as contas
 
***
 
para Chacal

sobre os escombros do fim do mundo
uma piscina
suja de barro
de resto de tudo que era vivo
ou ainda é

no entanto
ainda assim
uma piscina

as palavras não servem mais para nada
nem sei porque escrevo
o mundo acabou
mas ainda podemos nadar