Quimera no buraco negro, de Thais Carvalho Azevedo
Leia abaixo um trecho de "Quimera no buraco negro", romance de Thais Carvalho de Azevedo:
Acabou que não tomamos banho. Olá. Aqui quem fala é o Ulisses. Quem escreve, na verdade. É estranho escrever aqui. Sinto-me um intruso. Acontece que nós sofremos um acidente e Quimera entrou em coma. O que é isso que Hélio tem com acidentes de carro? Bom, ela dizia que não poderia parar de escrever, se não, deixaria de existir. Consideramos que, como amigos, temos a responsabilidade de continuar escrevendo até que ela acorde. O que talvez seja uma besteira, mas é também um modo de lidar com o medo de perder uma amiga. O engraçado é que ela está na cabine ao lado de M.E. Quem sabe ela não sonha com a mesma viagem através do Sol até a outra Terra? Bom, tirando Diana e um ombro quebrado de Hélio, estamos todos bem. Estou andando por aí de capuz, pois não sei como está minha situação com a polícia, mas não tem ajudado muito. Todos parecem me reconhecer como o lutador que ficou maluco junto daquelas pessoas do jornal. Tenho medo de ser preso justo agora que reencontrei minha mulher. Estamos pensando em fugir juntos, ir conhecer o mundo. É estranho que ela tenha me encontrado através de Porfírio. Ainda estou assustado de saber que estava sendo seguido. Se fosse por vingança seria até compreensível, mas por fascínio? Tenho medo dessa obsessão, medo daquele olho único que me encara com fervor. Medo de saber o que há por trás do tapa-olho… de quanto estrago fui capaz em nome da beleza? Porfírio está acompanhando nossa repercussão nas redes sociais e disse que todos se entregaram às confabulações sobre o novo mundo depois do buraco negro. De fato, as pessoas parecem… diferentes. É como se elas tivessem acordado mais curiosas do que nos outros dias. Há, nas gargantas, nas pupilas, nas caixas torácicas, algo brilhante e molhado, espasmódico. Posso ver que as coisas não são as mesmas. Já sei! Há um novo compromisso. Sim, as pessoas tem um novo compromisso com essa visceralidade, que é também uma espécie de porquesidade. Ariane tinha razão, elas estavam sedentas, sempre estiveram. E é bonito vê-las finalmente procurando por água. Uma mulher está no bebedouro. Mas ela está literalmente no bebedouro, digo, equilibrada em cima dele enquanto bebe água. Me pergunto que tipo de criadora ela é. Há algo de belo quando alguém quebra uma regra, pois me dá um susto, como a arte nos dá sustos. Os sustos aceleram o coração e nos dizem: estou vivo! estou vivo! preciso viver! preciso viver! Que é também o que Penélope faz comigo. Que é o que o olho de Porfírio fez comigo. Que era o que os estouros lá fora nas noites de infância faziam comigo? Mas não, destes sustos eu não gostava. Qual a diferença entre os sustos? A arte e a desobediência são quase a mesma coisa: quando saímos do que já está previsto, e quando amamos algo que ainda nem conhecemos e nos sacrificamos pelo desconhecido. E na infância eu sentia que estávamos sendo vendidos para o sacrifício, só não sabia em nome de quê. Acho que já sei, sempre estamos nos sacrificando e os sustos nos lembram disso, e nos lembram de que devemos escolher pelo que nos sacrificar. Será que me torno sagrado através da arte? Ou torno o mundo sagrado? Será que a passagem para o outro universo de que eles tanto falam seja isso? Tornarmo-nos sagrados? Tornarmo-nos deuses? Pequenos criadores? Bom, se ser deus for a mesma coisa que ser criador, já o somos. Ah, é, Jesus quem disse isso. Então… não precisamos sacrificar nada? Já estamos salvos? Fazer arte é lembrar que já se está salvo? Não sei responder a nenhuma destas perguntas. Ah, até esqueci que estou no caderno de Diana, espero que ela não leia isso. É realmente bom escrever aqui. Sinto que tenho um confidente, mesmo que não saiba exatamente o que confessar.
Sobre a autora:
Thais Carvalho Azevedo nasceu em 1999, é licenciada em Letras - Português (Literaturas), mestranda em Teoria da Literatura pela Universidade Federal Fluminense e tradutora Russo-Português. É também coordenadora e professora apaixonada do projeto de reforço escolar social no morro da Vital Brazil, em Niterói, pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). Possui contos publicados pela FLIP, pela Editora Mater e pela Letras Virtuais.
Informações do produto:
Informações do produto:
Capa comum: 170 páginas
São Paulo, 2024
Editora Libertinagem: 1ª edição
Formato 14x21cm
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