top of page
pra firmar os pés com os olhos, de Francine Delavald Bottoni

pra firmar os pés com os olhos, de Francine Delavald Bottoni

Leia abaixo o conto "Rosa", que compõe o "pra firmar os pés com os olhos", de Francine Delavald Bottoni:

 

Rosa


Rosa lembrava-se da rua em detalhes: o calçamento da estrada, as calçadas que contornavam a casa da avó, as janelas parecidas das casas, os telhados parecidos, os detalhes parecidos, Rosa parecida com toda aquela paisagem...

 

A rua era comprida e, chegando a determinado ponto, contava com um morro que causava preguiça. Antes do morro, pouco antes da esquina, havia uma casa com flores jogadas em direção à calçada, e com outras flores na própria calçada. Rosa não sabia o nome daquelas flores. Elas nasciam no que pareciam arbustos e eram vermelhas, alaranjadas, rosadas... Rosa lembrava-se de passar por ali com a avó e com a irmã, e de a avó arrancar uma flor do arbusto, para que as netas presenteassem a mãe. Geralmente, a avó segurava o “galinho”, como dizia, e as netas a acompanhavam até a casa delas, para a chegada da mãe.

 

Na época, Rosa adorava presentear a mãe. Porém, lembra-se de sentir certo incômodo quando a avó arrancava a flor daquela casa que não era a casa de nenhuma delas. Era um roubo? Seria a sua avó uma ladra?

 

Talvez, por vezes, o que faz as coisas pertencerem ao lugar seja, justamente, a possibilidade de não pertencerem àquele lugar. Talvez, a flor pertencesse àquela casa “não familiar”, justamente porque poderia ser roubada. Porque poderia servir para outra coisa, para outro lugar. Afinal, o que era uma flor? O que era Rosa?

 

Rosa perguntava-se, entre reflexões a respeito da lembrança descrita, e afetos atuais, se ela também não fora roubada de uma casa que antes lhe era familiar. Percebia que havia conseguindo se arrancar do seio familiar, construindo outras raízes e outros modos de lidar com a vida e com as relações.


E percebia que, no momento, estava se roubando novamente, ao estar em um local e sentir-se pertencendo a outro. Rosa se sentia como aquela flor que a avó arrancava: movida pelo mundo e pelas circunstâncias, mas desejosa de outro lugar onde
pertencer ou de outra função a exercer.

    R$ 45,00Preço
    bottom of page