Passeio pelo Méier
Leia abaixo três poemas de "Passeio pelo Méier", de Ana Chagas:
Another time
Brontossauros antigos,
eles vêm ao meu encontro.
Árvores antigas, elas vêm ao meu encontro.
Serpentes Naja também vêm ao meu encontro.
É demais, derreto, novamente.
Liquidificandando chego lá.
Falta de ar chego lá,
Logo mais chego lá.
Parada, roxa, sufocante,
No sertão observo.
Constelação das estrelas
Lavas fundidas de ferro e barro.
Bendita fruta, bendita fruta,
Bendito maldito seja o fruto do vosso ventre.
O meu ronco exuberante,
tenho fome escancarada.
Não tenho tempo a perder
Meu passo é firme, amplo e forte.
***
Poemas de amor são sempre uma merda
Te amo como dois e dois são mil
Como céu na terra e a lua no chão
Os malucos na moto na contramão
Um homem que tropeça na calçada
Uma filha de coronel sem carteira
O verde que combina com o branco
Que combina com o amarelo
Que combina com o vermelho
A ferida coçada ali no calcanhar
A casquinha arrancada ali no calcanhar
Te amo como eu deitada na rede
Como uma mensagem enviada e armazenada
Como a angústia que invade meu peito enquanto fomento os piores cenários
Como a queimadura no peito
Quando respiro
Quando o cinza do céu com o laranja do menino
Quando o espanto da caneta sobre o papel
Te amo como um baseado no morro do Dendê
uma velha caída no canal do Leblon
um chute na barriga só que por dentro
um soco na boca
só que por fora
Como um racha
ali na rua das Acácias
Te amo de o que é o que é
que é ruim da cabeça e doente do pé, é.
***
Pomba Gira
Crianças molas
A boca grande
E o cansaço dos olhos.
A perna torta
como se o peso do corpo deformando tudo.
A mochila era o cão.
Reencontrou seu avô.
De costas o velhinho que andava devagar.
Cabeça de tartaruga.
De frente não era ninguém.
Ilustre desconhecido.
O rouge do batom vermelho sangue
Da mulher cheia de cores.
Quase foi atropelada
Mas seu santo era mais forte que a fumaça dos caminhões.
A faca espetada no coração.
Ela era Eva Angélica.
Os pombos confabularam:
É Maria dos Pilares.
Sobre a autora:
Ana Chagas é atriz, cineasta e poeta.
Nasceu em Paris em 1975, fruto do exilio e resistência de seus pais durante a ditadura militar no Brasil. Em 2011 decidiu mudar-se da Europa para o Rio de Janeiro, onde vive atualmente. Em 2012, após um convite para participar de uma edição do CEP 20000, sarau poético conduzido pelo poeta carioca Chacal, desatou a escrever poemas tal lava que jorra de um vulcão adormecido. Escreveu quando nem sabia que sabia escrever.“Escrevo andando, captando sons, imagens, pensamentos, mobiliário urbano, pessoas, bichos, coisas, escrevo andando porque não gosto de escrever sentada”. Foram 10 anos escrevendo, no início no Méier e depois por aí. Até aqui chegamos.
Informações do produto:
Capa comum: 60 páginas
Formato 20x20
Editora Libertinagem 1ª edição
São Paulo, 2022
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