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Paralelas utópicas, de Agnaldo Kupper

Paralelas utópicas, de Agnaldo Kupper

Leia abaixo um dos textos que compõem Paralelas Utópicas, de Agnaldo Kupper:

 

O SUICIDA E O VELHO

 

 Nada é mais irritante do que um conselho dado no momento errado, ainda mais de desespero, mais ainda quando se fala em fé, em Deus e outras coisitas mais. Mas não é o caso aqui.

            Um velho senhor, no caminho de seus poucos anos a viver, já calejado pelas experiências e infortúnios da vida, vivenciou o drama de um jovem suicida disposto a atirar-se do andar mais alto de um antigo edifício.

           Ao presenciar o panorama, o velho não se desesperou, diferentemente de alguns outros que visualizavam a cena debaixo, embora tenha sido absorvido por certa aflição, muito por conta de ter vivido o bastante e ser sabedor de que, por mais que exista angústia e desesperança, tudo é contornável e, caso não, resolve-se por si mesmo: um amor perdido, dívidas, doença, sabe-se lá.

           Mesmo tomado pelas suas cerca de oito décadas de existência, o longevo embrenhou-se pelo prédio, chegando ao andar em que o resoluto se encontrava. Driblou curiosos e nervosos que imploravam para que o jovem desistisse da tentação, embora alguns torcessem pela efetiva ocorrência, talvez para terem o que comentar ou discutir.

           Servidores públicos ocupados desses acontecimentos ainda estavam em deslocamento à ribalta, o que deu tempo para o homem se aproximar do abatido. Calmo, o senhor achegou à janela, mesmo repreendido pelo prestes autodestrutor:

         - O que faz aí, garoto?

         - Vou pular.

         - Imagino que sim, já que não leva nenhum jeito para limpador de vidraças.

         - Olhe meu drama. Não faça piadinhas imbecis, velho!

         - Sou velho, mas não tão tolo quanto você, creio. Aprendi a me bastar. Posso saber qual é o seu problema?

         - A vida não faz mais sentido.

         - Não a trate assim. Quer sentido? Tente o exército, a marinha, a aeronáutica. Ainda lhe é possível pela idade.

         - De novo com piada tola, velho!

         - Piada é o sujeito querer deixar de viver. Sabe qual é a pessoa mais importante de sua vida?

         - Minha mãe.

         - Sua mãe... Deixe de tolices.

         - Mas é ela, velho.

         - Ah, é? Então me diga: quem você prefere ver defunto primeiro se lhe fosse dada a escolha? Você ou ela?

         - Nem sei porque respondo, mas aí vai: eu, claro.

         - Lógico que você, até porque aí a dor passa a ser dela e não sua. Fica claro que você é a pessoa mais importante do mundo para você. Siga em sua vontade, moleque egoísta.

         - Olha que se eu não estivesse na situação em que estou sentava um bom tapa na sua cara, velho.

         - Então venha, covarde! Ao que parece resolve as coisas na pancada ou se atirando. É sempre assim?  E ainda vai dar trabalho na limpeza da rua, gerar congestionamento, exigir perícia. Meu Pai, quanta imodéstia!

         - Ora, não me importune.

         - Tolo de uma figa!  Procure ao menos outro método. Forca, veneno, sei lá!

         - Me mato como quiser, velho.

         - Troque a expressão para viva como quiser, jovem.

         - Saia daqui, já!

         - Saia você daí.

          O suicida largou seu posto, avançou para cima do seu interlocutor, tomou seu pescoço e, não fosse a intervenção de alguns, teria matado a vetusta criatura.

         Não matou e não se matou, muito porque a raiva supera qualquer dor.

 

 

 

 

 

  • Informações do produto:

    Capa comum: 122 páginas

    Editora Libertinagem: 1ª edição

    São Paulo: fevereiro de 2025

    Formato: 14x21cm

  • Sobre o autor:

    Agnaldo Kupper é paulistano da gema. Atualmente, reside em Londrina, Paraná. Mestre e doutor em História pela Universidade Estadual Paulista, atuou por quatro décadas como professor de cursos pré-vestibulares, ensino graduação e de pós-graduação. Como escritor, é autor de romances e de livros didáticos e paradidáticos publicados por diversas editoras do país. Em Paralelas Utópicas, Kupper abusa do uso de metáforas e simbolismos e desafia e provoca o leitor a questionar a própria existência e as verdades que aceita sobre liberdade e propósitos, em um diálogo íntimo, poético e, por vezes, caótico e não linear sobre a vida humana.

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