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O rabo da lagartixa, de Juliana Liegel

O rabo da lagartixa, de Juliana Liegel

Leia abaixo três poemas de "O rabo da lagartixa", de Juliana Liegel:

 

:
o nunca
o nunca era um aceno
trabalhava duro e endurecera
era de pedra de pena de pólvora
uma paixão em súplica
ante os olhos de Medusa
o nunca era alimento
mastigado com farinha
e algum molho
de carne e osso
permanência na mísera espera
do que jamais
e nem que acontecesse
poeira de desejo
ceia de fantasmas
era o nunca os farelos
as réstias os restos
que não deixavam ela ficar
que não podiam fazê-la partir

 

***

 

:
na noite em que o velho ator desistiu
eu estava a molhar plantas
no outono a vida ressente
folhas crocantes comovem os passos
no vaso, a azaleia resiste sedenta
o regador se inclina como um suicida no parapeito
as lágrimas do homem triste caem sobre mim
as lágrimas do homem que chora no chuveiro
águas confundindo águas
para que o medo não ande só
para que lágrimas e pingos se esvaiam juntos
pelo ralo aos pares
choro menino num corpo de homem
choro caduco de guardado
esse choro embotado de tempo
te banha e te salva
pelo peito dor e sabão
não há respostas.
nem boas notícias.
as plantas me dizem agonizantes
que precisam de mim
o quintal inunda na noite fria
a terra úmida cheira vida
uma lagartixa sem rabo foge do xaxim
me lembra que é possível
refazer pedaços que nos foram arrancados


(da partida de Flávio Migliaccio;
e ao homem que chora escondido)
.

***

 

.
sonhos verdes

embrenhada noite funda mata à dentro
vento florestal
arvorosos sonhos verdes
tons de uma alta natura:
estrutura mil pés de mulheres
bando em folha
orvalhadas criaturas
verdes: como estranhas extraterrestres
verdes: com floridas entranhas maduras e doces
verdes: como água correm
montanhas
comem a derrota
fertilizando frutos de futuros
fêmea devoradura

  • Informações do produto:

    Capa comum: 58 páginas

    Editora Libertinagem: 1ª edição

    São Paulo, 2024

    Formato: 14x21

  • Sobre a autora:

    Juliana Liegel é poeta, atriz, artista-educadora e professora; mãe, filha, mulher. Desenvolve pesquisa em teatro e vídeo junto à Estudo de Cena em São Paulo, contemplada por diversos prêmios e editais. Já teve poemas inseridos em peças teatrais e alguns musicados. Durante a Pandemia de Covid-19 participou do projeto coletivo de poesias de mulheres que culminou na edição do livro Nove Meandros (editora Donizela).

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