Lavínia é mais rosa que espinho
Leia abaixo trechos contidos em "Lavínia é mais rosa que espinho", de Gabriele Rosa e Carla Motta:
Despupilada
Entre a C1 e a C3, sopro. Atlas rompido. Dedos dóceis ferem. Mobília. Oito segundos, coluna liberta crânio. Escombros, esterno, destroços, clavícula, estilhaços, tíbia. No jardim, gérberas de plástico.
Marsala
Tive um sonho na noite passada. Chaves dançam nas fechaduras. As dobradiças rangem com a abertura das janelas. Eu debruçava meu corpo e dançava no parapeito. A brisa movimentava os cachos e, como chicotes, marcavam a pele. Tive um sonho na noite passada. Dirigia meu carro, sem saber para onde fugir. O desconhecido me isola em tua sombra. A máscara cobre meu grito e o fôlego embaça a visão. Manteiga no pão. Passei o café. Os olhos presos no coador, o alarme da conferência apitou. Você chamou meu nome. Quem? Não reconheço. Você chamou meu nome? Não sabia que aquela... era eu. Você sacudiu os meus ombros, e dispersa procurei seus olhos, mas só vi os meus... Arregalados. Teu corpo no chão. A poça brincando no piso. A ponta da faca impediu o grito. A mão tremia e no reflexo... me vi. Reconheci. Quem? Não sabia que aquela tinha sido eu. Noite passada tive um sonho. E contigo na beira da mesa, puxo um falso sorriso. Olho novamente o talher. Os dedos parecem se sentir em casa.
Cinábrio
As mãos ásperas passeiam pela carne. Arranha, grita. Diz pra todos que sou sua. Tampa minha boca, marca tua mão no meu rosto. Deixa todos verem... sou sua. Fere meu pescoço. Não me deixa gritar. Arranca minha roupa e não me deixa fugir. Sua. Puxa minha cintura. Me empurra contra a parede. Roxeia minha pele. Sua. Bate à porta. Diz que volta. Leva minha voz e deixa meu ventre chorar. Sua. Como fantasma, se esvai. Nos meus olhos vejo a presa. Em cada beco escuro, sua. Em cada pesadelo, sua. No soluço da noite, sua. Na ânsia, sua. No medo, minha.
Informações do produto
Capa comum: 80 páginas
Formato 14x21
Editora Libertinagem 1ª edição
São Paulo, 2022
Sobre as autoras:
Carla Motta é historiadora, escritora e educadora residente no estado do Rio de Janeiro. Atualmente atua nas áreas de educação e escrita criativa explorando comunicação e técnicas de abordagem comunicativa, como linguagem corporal. Pesquisa nas áreas de História da Arte, Teoria da Performance, História e Linguagens, onde desenvolve seu projeto de interferência de linguagem corporal na leitura de códigos espaço-temporais. É membro do Coletivo CuidadoPoema, responsável pelos desdobramentos #CuidadoPoema e #shakespearenavalha.
Gabriele Rosa (Rio de Janeiro – RJ, 1988) artesã da palavra e da cena, é historiadora, dramaturgista e dramaturga de processo. Atualmente pesquisa os espaços heterotópicos entre a construção literária e a criação dramatúrgica na peça Memórias de uma Manicure, em produção pela Bonecas Quebradas Teatro. Integra o coletivo CuidadoPoema, atuante nos projetos #CuidadoPoema e #ShakespeareNavalha. Autora de Fendas extraordinárias (Patuá, 2019). Tem contos e prosas curtas publicados em revistas literárias virtuais e antologias, entre as quais se destaca a coletânea Prêmio Off Flip de Literatura 2021: conto (Selo Off Flip, 2021).