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Eu não sou uma mulher direita

Eu não sou uma mulher direita

 

Leia abaixo três poemas de "Eu não sou uma mulher direita", de Roberta Gonçalves:

 

Poema que sangra


Por séculos meu corpo não tem sido meu
Pequena, ouvi que deveria trancar as pernas
Crescida, sangrando
Entregaram-me uma pílula
Piscaram: “você entende, não é?”
Eu não entendia

 

Me disseram que meu corpo era veículo do pecado
Que precisava por isso
Ser domado, purgado 
Entregaram-me uma burca 
Piscaram: “você entende, não é?”
Eu não entendia

 

Me mandaram ficar calada quando fui assediada
Me impediram de gritar quando fui violentada
Piscaram: “A mulher ao homem tenta”
Você entende, não é?”
Eu não entendia

 

Apedrejaram-me em praça pública
Quando a meu corpo eu quis ouvir
Quando finalmente eu tirei a cinta
O espartilho 
O cabresto
E perguntei, afinal, o que havia pra entender

 

Ergueram piras de fogo 
Ao lado de suas igrejas
Hipocrisia lhes dirigindo os passos
Ditando o sermão, no púlpito gritado 
Enquanto por projeção 
Condenavam em mim seu próprio pecado

 

Sangrei!
Sangrei por dias
Verti de mim o choro que ardia
A raiva por tudo o que eu não entendia
Tornei-me Mulher
Coroei-me Rainha 

 

O fogo consumiu as cordas que me atavam
E lambeu com suas fagulhas o meu vestido 
O que era saco de vergonha e cinzas
Vestiu-se de chamas
Dancei em vermelho

 

Para escândalo dos guardiões da virtude
Aqueles mesmos que me pediam silêncio 
Reclamei a posse de meu lindo corpo
Pisquei pra eles: 

 

“Vocês entendem, não é?”
 

***

 

Heranças 

 

Teria sido mais fácil
Se dos ombros de minha avó
Ao invés das pedras e dos duros nós
Pendessem cestos de flores

 

Sua herança de caladas dores
Foi-me legada quando nasci
Do berço às pernas
Suas mortes a todas morri

 

Teria sido mais fácil
Se a filha de minha avó
Tivesse conhecido o abraço
Não apenas o laço 
Que a fez prisioneira 

 

E depois carcereira...

 

Teria sido mais fácil!

 

***

 

Remédio é sentir

 

Quando a vida arde
E pede por menos
E grita por mais
E reclama lugar
E tem sede de estar
E sente fome de partir
E muita pressa de chegar
Às vezes...
A lugar algum

 

Anestesia não há
Remédio é sentir
Deixar a dor falar 
 

 

 

  • Sobre a autora:

    Roberta F.S. Gonçalves é mulher cis, esposa do Sérgio, mãe do João Víctor, do Urijah, da Cyáran, da Perséphone, do Bento, da Capitu, da Laila, da Laika e das estrelinhas, Pérola e Kurt. Nascida no sul de Minas Gerais, entre morros verdes e “uais”, mora hoje em São José dos Campos (SP), onde, após romper o “casulo” iniciou-se na arte do “voo”. Formada em História e em Direito, decidiu, após os 40 anos, quando tudo finalmente é agora, dedicar-se ao sonho da menina que foi: escrever pra viver.
    Sobretudo e para lamento do Patriarcado, não é uma mulher direita!

  • Informações do produto:

    Capa comum:  112 páginas

    Formato 14x21

    Editora Libertinagem 1ª edição

    São Paulo, 2022

  • Legal saber:

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