Entre asas o fim: a narrativa das meninas mortas, de Juliete Oliveira
Leia abaixo dois textos de Entre asas o fim: a narrativa das meninas mortas, de Juliete Oliveira:
uma mulher de santo e amiga das ervas me revelou que o enigma oculto nas
coisas da floresta se abriga nos desejos dos homens. as desavenças entre a
natureza humana e a da terra são a causa de todos os conflitos climáticos que
observamos. por exemplo, ela relatou que a recente seca no Amazonas é a
consequência da morte de um Tritão por um ribeirinho, praticada por ciúmes. –
em uma noite festiva, Tritão dançava com uma cabocla, quando um dos
homens presentes, embriagado de ciúmes, atingiu o ser mitológico com um
terçado, logo depois começaram as estiagens na terra da chuva.
***
santas morrem com sede
contando os dias, sei que já
me perdi no cronômetro
nesse relógio sou o ponteiro
dos segundos, sem importância
passageiro da viagem de outros
não sou um anjo, portanto
mas sou terrível, contenho em
mim o esplendor dos inacabados
dos que não permanecerão
para contar as alegrias dos dias
afogada que sempre estou, sempre me sinto
no desejo violento e delituoso
das mãos letais do criminoso
uma menina da minha rua
virou notícia ao ser encontrada
envolta em seu próprio sangue
seu corpo pequeno, delicado
violado pela inescrupulosa
opulência do adulto raivoso
naquela noite me visitaram
os termos de uma guerra
dispostos em um cordão de medo
receando sofrer o mesmo destino
ao voltar da escola para casa
agora desejo o destino da garota
sua possibilidade do fim
sua concretização dos fatos
a rapidez do desfecho dramáticoquase uma alegoria de derrotas
uma elegia do fim para mulheres
em que não há glória, vitória
há uma inominável visão chocante
um enterrar na ferida ancestral
um punhal lambuzado em ácido.
Informações do produto
Capa comum: 72 páginas
Editora Libertinagem: 1ª edição
São Paulo: junho de 2025
Formato 14x21cm
Sobre a autora:
Juliete Oliveira, nascida em Palestina (PA), é mãe, poeta, educadora ambiental e ativista dos direitos humanos, parte da memória de um lugar chamado Araguaia. Escreve como um ato de subversão e para alcançar uma respiração possível em conjunto com outras mulheres. Em 2024, publicou o livro de poesia Teologia das Coisas Publicáveis pela Editora Patuá.