A quarta parede: ensaios de humanidades, abandonos e amor, de Gleys Ially Ramos

Outra mãe
 
 
Eu ‘nunca’ quis ser mãe. Não era bem uma escolha. Ou uma decisão. Era primeiro um não ter tempo de pensar sobre isso. Pobreza, periferia, abandonos (paternos, afetivos, raciais, a lista é longa). Meninas não deveriam ter que pensar nisso enquanto são, meninas.
De repente, mãe aos 17. Depois, um não ter tempo e, força, para pensar sobre. Bem, eu achei que não tinha. Não poder pensar, não significa não querer ou não amar.
Escrevo sempre sobre isso sem temer as reações das minhas criaturas. Dois meninos, com
diferença de dez anos entre os nascimentos. Inclusive, sempre achei que a Xuxa teria um
segundo filho, eu não. Mas vejam só quem teve.
Sempre converso sobre maternidade e maternagem com eles. Decidi por uma maternidade sem maquiagens. Falo sobre tudo, pois acho que para falarmos de afeto, precisamos ser verdadeiras. Sempre. Logicamente essa tarefa não é fácil. E, evidentemente, nem sempre consigo.
Sobre eles.
Foram duas gestações de risco. Ambos são prematuros. Na primeira, uma depressão pós-
parto. Na segunda, uma anemia profunda. Após as duas, sequelas.
Em ambos tive muito medo de falhar. Falhei. Continuo falhando, mas sabendo que falhas são resultados de tentativas. Construo uma maternidade tão próxima e tão longe daquela que recebi/recebo. Não é bem uma alternância, um pouco de instinto, um pouco de maturidade, um pouco de terapia, e muito de quebrar padrões, principalmente os violentos.
Não tenho certeza que será uma maternagem melhor, mas entendo que o mundo precisa de outras possibilidades. Outras pessoas. Outros afetos. Outras vivências e outras filhas.
Dentro dessas escolhas e construções, descubro que não só os pari, como pari a mim mesma.
Partos duríssimos. Radicais. Com muito sangue, suor, lágrimas, como todo parto é, via de
regra.
E que belíssima mãe eu tenho criado. E o quanto ela me cansa também.