A arte de polir metais, de Suzana Bins
Leia abaixo o conto "Tempestade", que abre o livro A Arte de polir metais, de Suzana Bins:
TEMPESTADE
A noite já vai alta e Alcebíades não consegue dormir. O calor insuportável do verão o sufoca. Não sabe dizer há quanto tempo está acordado. O ventilador, o ronco de seus dois irmãos menores, que se comprimem na cama que dividem, e o acontecimento do dia que findara o atordoam. E o sufocam. Mais que o calor da noite.
Sente a noite pesada. Sabe: uma tempestade está a caminho. Pressente-a no cheiro de madeira, no barulho mais nítido dos pequenos animais noturnos, e na opressão daquela temperatura insuportável, que lhe deixou durante todo o dia com a sensação de ter sobre os ombros um peso nunca antes experimentado.
Um cansaço maior do que o mundo toma conta dele, justo dele, que sempre se considerara forte, valente, que procurava não se deixar abater pelos reveses da vida. Mas o fato é que está cansado. Sente-se velho aos dezessete anos. Nem o sorriso de Amália, como uma promessa de refresco de chuva mansa, no ponto de ônibus, lhe trouxera a alegria de ser quem era: o Alcebíades, o Cessé, um metro e oitenta de puro charme, pele morena, cabelos encaracolados, olhos escuros, perigosamente escuros, e uma discreta cicatriz no canto direito da boca – lembrança de uma queda na infância – e que nele, ao invés de o enfeiar, fazia toda a diferença. Ao menos, era o que Amália lhe dissera havia poucos dias, na festa do centro comunitário.
A sensação de peso o oprime cada vez mais. O suor escorre por seu rosto, percebe que seu coração bate mais apressadamente e tem a sensação de que a respiração está faltando. Quer chorar, mas não consegue.
Negrinha ainda grita em seus ouvidos. E aqueles gritos lancinantes, de sofrimento infinito, lhe despedaçam a alma. Dói-lhe o incompreensível da dor. Dói-lhe a clareza da profundidade da dor de sua cadela, tão mansa, tão amiga. Dói-lhe o desespero de nada ter podido fazer. Seus olhos estão impregnados dos movimentos do corpo dela, de repente tão pequeno e frágil ante o tamanho da monstruosidade. E. por mais que os feche, só consegue enxergar o carro acelerando cada vez mais, arrastando pela rua o
corpo da cachorra. O corpo sendo arrastado, sua amiga chamando por ele, pedindo socorro, ele correndo atrás do carro, gritando, pedindo socorro, e seu coração se dilacerando à medida que nela a vida se dilacerava.
Levanta-se e corre à janela. Sem fazer barulho, abre-a e debruça-se para fora, narinas abertas, em busca do ar que lhe falta. Olha para o céu e percebe, na ausência da lua, que a tempestade não tarda. Será das grandes, pressente. E se prepara para o momento em que a natureza e ele, finalmente, se deixarão esvair do que não mais suportam carregar e desaguarão sua fúria na terra que pela água espera, sem saber - desprevenida - da lama em que se há de converter.
Informações do produto:
Capa comum: 122 páginas
Formato 14x21
Editora Libertinagem 1ª edição
São Paulo, 2023
Sobre a autora:
BIOGRAFIA SUZANA BORGES DA FONSECA BINS
Licenciada em Letras, Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa e Bacharela em Filosofia.
Participou de diversas oficinas literárias.
Publicações: Floriano Cambará – personagem de O tempo e o vento, Tempo do homem (crônicas), Estranhas ficções de tempo, morte e utopia (coletânea), Sempre às segundas: Colombina (coletânea), O squonk da Antônia (infantil).
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